terça-feira, 3 de março de 2009

Aspectos inconstitucionais da política de cotas raciais no acesso ao Ensino Superior.


O polêmico tema da política de cotas raciais no acesso ao ensino superior público encontra-se sempre presente nas discussões envolvendo as ações afirmativas no Estado democrático de direito.


No entanto, algumas questões relevantes, desprendidas de quaisquer cargas emotivas e ideológicas, devem ser abordadas com mais clareza sob pena de produzirmos novas discriminações e recrudescer o preconceito, contrariando a própria essência das Affirmative Actions.

O referido debate traz à lembrança o famoso caso Bakke, levado a julgamento na Suprema Corte dos Estados Unidos em 1978 (Regents of the University of California vs. Bakke), em que afirmou ser inconstitucional o sistema de cotas, pois violava a “cláusula de igual proteção”, da 14a Emenda Constitucional, bem como a Declaração de Direitos Civis, pela qual ninguém pode ser excluído de programa ou benefício governamental por causa de sua raça ou cor.

O primeiro aspecto que merece atenção é a observância à proporcionalidade e a razoabilidade do fator de discrímen, ou seja, verificar se a reserva de vagas para determinados grupos étnicos – raciais apresenta-se de forma adequada, necessária e proporcional.

Para isso, cumpre indagar se a política de cotas raciais é adequada para fomentar o objetivo de não-discriminação no acesso de estudantes pardos, negros e indígenas. Aqui, a título de perseguir o objetivo não-discriminatório, em realidade, a norma discrimina estes estudantes, por pertencerem aos referidos grupos étnicos que concorrem em igualdade de condições, sob o critério de mérito, ao acesso à universidade, sem que este fator: "ser negro" ou “pardo” ou “indígena”, seja o motivo pelo qual não têm acesso ao ensino universitário, quando na verdade sabemos que é o fator impeditivo é a falência do ensino público médio e fundamental.

Quanto ao requisito necessidade, essa análise deve enfrentar a seguinte questão: comparativamente a outros meios de "democratização racial do ensino", a norma que privilegia vagas universitárias ao auto-declarado "negro" ou “índio” é o melhor meio para que parte da população, que antes não tinha acesso ao ensino, agora o tenha? A resposta parece negativa.

O melhor meio para fomentar a não-discriminação é a criação de mais vagas e a melhoria da qualidade do ensino a todos aqueles que desejem o ensino universitário, e não somente a aqueles, exclusivamente por terem nascidos com características físicas inerentes as suas raças.

Quanto ao requisito de proporcionalidade em sentido estrito, a análise deve enfrentar a seguinte questão: a limitação do número de vagas a candidatos "não-negros", “não-pardos” e “não-indígenas” em favor dos "negros" “pardos” e “indígenas” é condizente com a idéia de assegurar o direito fundamental de acesso ao ensino universitário em igualdade de condições?

A análise do projeto de lei aprovado pela Câmara não atende ao requisito de proporcionalidade em sentido estrito, porque a reserva de vagas aos auto-denominados pertencentes aquelas raças, implica na diminuição da oferta geral de vagas no ensino público gratuito e subtrai, com isso, direito subjetivo e fundamental dos demais que, em princípio, têm capacidade e habilitação para cursar o estudo universitário.

O fator de discrímen, para não ser arbitrário e, portanto, inconstitucional, deve se pertinente, guardar relação de causa e efeito, ser determinante, explicitar o motivo por que se considera aquele grupo ou categoria inferior ou digno de tutela especial. E diga-se o óbvio: ser negro, índio ou pardo não é o motivo determinante - por si só - de inferioridade intelectual, pois admitir o contrário é mais do que discriminatório, é estigmatizante.

Outro aspecto que merece destaque é a impossibilidade da identificação racial num país em que a sociedade é fruto da miscigenação européia, africana e indígena. Eugêne Schreider, especialista em antropologia física da Universidade de Paris, em artigo intitulado "Liaison anthropométriques dans l'espèce humaine", é peremptório em afirmar que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal não autoriza a identificação de raça.

Um equívoco que se tem cometido é o de considerar a ação afirmativa como sinônimo de política de cotas. A ação afirmativa (também chamada “discriminação inversa”),é medida extrema, que busca eliminar desequilíbrios entre grupos sociais, como forma de concretizar a igualdade entre eles. A fixação de cotas raciais é apenas uma das alternativas para se tentar superar a desigualdade, embora não seja, a melhor. Outras formas de ação podem ser sugeridas, como a fixação de metas para o acesso da população menos assistida à Universidade, alicerçada em políticas de base que garantam ensino fundamental e médio de qualidade para a população pobre.

Não devemos fomentar o que já fora por bastante superado. O mundo já mostrou fortes sinais de superação do preconceito racial, por exemplo, com a recente eleição norte-americana. Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A SUÍÇA NÃO FOI TÃO GENEROSA


No último dia 9 de fevereiro, uma advogada brasileira foi atacada por skinheads suíços quando saía da estação de metro e ia rumo à sua residência em Zurique. A brasileira, que estava grávida de gêmeas, foi espancada durante quinze minutos, teve a roupa rasgada e ainda foi marcada com cortes de estilete pelo corpo todo e em decorrência do ataque sofreu um aborto instantâneo.

Algumas das marcas no corpo da brasileira possuía a sigla SVP, um partido de Direita da Suíça que prega pela expulsão de todos os imigrantes do referido país.
Rapidamente o caso ganhou notoriedade da mídia e o governo brasileiro, muitas vezes omisso à situação dos seus cidadãos em território estrangeiro (quem não lembra do caso dos brasileiros que ficaram horas e horas no aeroporto da Tailândia sem qualquer contato com a Embaixada? Ou dos inúmeros brasileiros que são detidos nos aeroportos do mundo todo sem receberem qualquer auxílio do órgão que deveria representá-los?), cobrou investigações sérias e punições severas aos culpados pela justiça da Suíça.
Afinal de contas, a brasileira fora discriminada, não só pelos seus agressores, como também pela polícia que desde logo apresentou um certo ceticismo pelas alegações trazidas, questionando a natureza dos ferimentos, assim como a gravidez que a brasileira atestou desde o início dos ataques.

Exames realizados no Hospital da Universidade de Zurique, pelos peritos que acompanham o caso, demostraram que a brasileira não estava grávida no momento dos ataques e que se tratava de um caso de autoflagelação, já que não foram encontrados hematomas no corpo da brasileira e os cortes foram realizados em locais que poderia ser facilmente alcançados.
O diretor do Instituto de Medicina Forense da Universidade de Zurique, Walter Bär, descreve: “qualquer médico forense experiente não hesitaria em dizer que este é um caso de autoflagelação (...) resultados laboratoriais de exames realizados na brasileira pelos ginecologistas do Hospital da Universidade de Zurique apontaram que Paula Oliveira não apresentava gravidez no momento do suposto ataque. Os exames também constataram que os cortes encontrados no corpo de Paula foram realizados em locais que poderiam ser alcançados por ela mesma. Partes mais sensíveis do corpo feminino - como as auréolas dos seios, umbigo e genitais - não foram atingidas pelos ferimentos”.
Todas essas afirmações colocam em contradição as alegações apresentadas pela brasileira e suscitam algumas dúvidas: Porquê não há cortes nas nádegas ou nas costas? Onde estão os fetos que foram abortados? Quem divulgou as fotos dos ferimentos? Porquê não há hematomas pelo corpo da brasileira já que ela relatou que fora espancada durante quinze minutos?
Com certeza, essas são ponderações que deveram ser respondidas pelas investigações para que seja possível determinar o ocorrido no presente caso. Alegações de que a brasileira não estava grávida (com fora dito pela polícia suíça), de que a mesma sofre de lúpus (uma doença que ataca o sistema imunológico, principalmente a pele, e que pode trazer distúrbios neurológicos, incluindo alucinações) tornam esse caso ainda mais controvertido e suspeito.
Constantes são as indignações por parte do povo brasileiro, dizendo que a polícia suíça deve agir com mais cautela, a investigação criminal deve ser sigilosa além de respeitar o princípio universalmente consagrado da presunção de inocência e não condenando a brasileira na mídia.
O nosso Governo que transforma o Brasil num país que mantem o lema de que “tudo pode, tudo deve, você nunca será punido”, abriga terroristas italianos e os oferecem asilo político com todos os benefícios que essa condições impõe, está estarrecido com a opinião de governo suiço de que caso a brasileira seja considera culpada, ela deverá responder criminalmente pelo fatos e versões que foram apresentados.
Infelizmente, ela não estava no país do Carnaval, das mulheres peladas, dos políticos corruptos, dos políticos dos castelos, do mensalão, da máfia das ambulâncias, dos anões do Senado, quando sofreu esses ataques. Ela está residindo num país onde a justiça, pode até ter as falhas, mas ao contrário da nossa, investiga os fatos e pune de modo exemplar os culpados.
Esperamos apenas, que as alegações apresentadas pela brasileira sejam verídicas, porque se não, mais uma vez, manteremos a assertiva de que somos “fanfarrões” e perdermos toda a credibilidade mundial.
Por: Cristiane Helena

sábado, 17 de janeiro de 2009

"O refúgio político e a generosidade brasileira"



A decisão proferida pelo Ministério da Justiça a qual concedeu o benefício do refúgio político ao italiano Cesare Battisti, terrorista e ex-militante do grupo chamado PAC (Proletários Armados para o Comunismo), tem causado questionamentos diversos no âmbito internacional, ameaçando, inclusive, a relação diplomática entre Brasil e Itália. Nos últimos dias o episódio ganhou fôlego devido a declaração do Presidente Lula de que “o Brasil é um país generoso”.



Inicia-se, agora, algumas considerações despretensiosas sobre o instituto do refúgio político e os limites a esta generosidade brasileira, que as vezes prejudica a imagem externa do país.

O processo de generalização dos direitos humanos desencadeou-se no plano internacional a partir da adoção, em 1948, das Declarações Universal dos Direitos Humanos. Desde então, diversos Estados da comunidade internacional buscam implementar regras e princípios, através de inúmeros tratados, a fim de criar parâmetros comuns para assegurar a aplicação dos direitos internacionais protegidos, pautados sobre os princípios protetórios da condição humana.


A Constituição brasileira consagrou à proteção do acusado por crimes políticos ao proibir a extradição quando o fato ensejador do pedido extradicional for qualificado como crime político de opinião ou, ainda, quando as circunstâncias subjacentes à acão do Estado requerente demonstrarem a configuração de inaceitável extradição política disfarçada.


Neste sentido, a Lei 9.474/97, ao definir a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, reconhece como refugiado todo o indivíduo que devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do seu país, e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país.


No entanto, o art. 3º da referida lei, estabelece, expressamente, que não serão beneficiados com o reconhecimento da condição de refugiado os indivíduos que tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo ou participado de atos terroristas. Tal vedação torna-se lógica, uma vez que a CF/88 elege o princípio do repúdio ao terrorismo como um dos princípios que regem as relações internacionais.


Desta forma, por possuir condenação pela prática de atos terroristas que levou a morte de 4 pessoas no seu país de origem, tal benefício não poderia ser deferido a Battisti, inclusive, tais foram os fundamentos jurídicos da recomendação do Procurador Geral da República e do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) – Órgão Consultivo do Ministério da Justiça -, desprezados pelo Ministro Tarso Genro.


Sem dúvidas a questão política - ideológica esquerdista falou mais alto, ao ponto de ser utilizado um instituto protetor dos direitos humanos à um indivíduo que, em diversos atos de terror, desprezou a vida dos demais e que merece pagar a sua dívida com a justiça italiana.


O que diriam os atletas cubanos que tiveram seus pedidos de refúgio político negados sobre essa tal “generosidade brasileira”?. Espera-se muita generosidade com a ética e com a justiça e menos generosidade com a impunidade.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

ANENCEFALIA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Caros Visitantes,

Superada a apresentação inicial, acredito que iniciar os trabalhos com um tema polêmico na iminência de ser enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, poderá suscitar um debate interessante.

Portanto, suscito a questão da anencefalia e dignidade da pessoa humana, que envolve conflitos de valores constitucionais.

Anencefalia e a dignidade da pessoa humana: uma perspectiva à luz da Constituição Brasileira.

Entrou na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal a tão polêmica Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, na qual se discute a legitimidade ou não obstrução da gestação de fetos anencefálicos. Tal discussão vem causando inquietude da opinião pública e da comunidade jurídica de uma maneira geral, abrindo as portas para os mais amplos embates da dialética humana.

De acordo com a literatura médica, a anencefalia consiste na má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico. Em outras palavras, essa anomalia importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema central – responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Como é intuitivo, a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina, sendo fatal em 100% dos casos.

Embora haja relatos esparsos sobre fetos anencefálicos que sobrevivem alguns dias fora do útero materno, o prognóstico nessas hipóteses é de sobrevida de no máximo algumas horas após o parto. Uma vez diagnosticada, não há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto inviável. O mesmo, todavia, não ocorre com relação ao quadro clínico da gestante, pois a permanência do feto anômalo no útero materno é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até o perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos. A antecipação terapêutica do parto, portanto, oferece à gestante a faculdade de não levar a termo a gestação inviável.

O Código Penal Brasileiro tipificou o aborto na categoria dos crimes contra a vida, descrito como a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um anecefélico, uma vez que a morte do feto nesses casos decorre da má-formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos os nove meses normais de gestação. Falta, portanto, o suporte fático exigido pelo tipo penal. Essa linha de entendimento decorre, de maneira inexorável, do próprio conceito jurídico de morte adotado no Direito brasileiro. De fato, a Lei n° 9.347/97. permite a retirada de órgãos destinados a transplantes após o diagnóstico de morte encefálica do doador. Portanto, o indivíduo é considerado morto quando o seu cérebro deixa de ter atividade. Ora, o feto anencefálico sequer chega a ter atividade cerebral, pois não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex. Tragicamente, não chega a tornar-se um ser vivo, em sentido técnico.

De outra sorte, vale ainda destacar, que o CPB exclui a punibilidade do aborto no caso de gravidez, embora que viável, decorrente de estupro. Na sua valoração de fatores como a potencialidade de vida do feto e o sofrimento da mãe, vítima de uma violência, o legislador fez uma ponderação moral e permitiu a cessação da gestação. No caso a ser decidido pelo STF, a ponderação é mais simples e envolve escolha moral menos drástica: o imenso sofrimento da mãe em manter nove meses uma gestação para ao final festejar a morte, de um lado, e a potencialidade de vida, de outro.

Logo, impor à mulher o dever de carregar por sofridos nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação das diversas vertentes de sua dignidade humana.

Devido a esses apontamentos introdutórios e despretensiosos, faz-se, mas do que nunca, necessária a escorreita intelecção/interpretação temática pela Corte Constitucional Brasileira, a fim de possibilitar a antecipação do parto nos casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticado por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento, sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma específica do Estado.